Lygia Clark: Desvendando as Obras Interativas que Redefiniram a Arte

Lygia Clark (1920-1988) foi uma das artistas mais revolucionárias do século XX, não apenas no Brasil, mas em escala global. Conhecida por se autointitular “não-artista”, ela desconstruiu a ideia tradicional de arte como um objeto estático para contemplação. Em vez disso, Lygia Clark nos convidou a experimentar, tocar e, acima de tudo, participar ativamente de suas obras interativas, transformando o espectador em coautor da experiência artística.

Neste artigo você verá:

A Revolução Neoconcreta e o Nascimento da Participação

A trajetória de Lygia Clark teve início no modernismo geométrico, mas foi com o Neoconcretismo que ela solidificou seu caminho em direção à arte participativa. Em 1959, Lygia Clark foi uma das signatárias do Manifesto Neoconcreto no Rio de Janeiro, um movimento que se opôs à rigidez racionalista do Concretismo paulista e defendeu uma arte mais subjetiva, orgânica e que integrasse o espectador. Para ela e outros artistas neoconcretos, a obra de arte deveria ser um “quase corpo”, algo que se realizasse na experiência sensível, e não apenas na contemplação formal.

Essa mudança de paradigma foi crucial. Lygia Clark buscava dissolver as fronteiras entre o objeto de arte e o público, convidando a um engajamento que ia além do olhar. Ela defendia que a arte não era um fim em si, mas uma “preparação para a vida”, uma experiência que nos levaria a redescobrir o mundo e a nós mesmos de forma mais profunda. Essa filosofia a levou a criar as suas icónicas Lygia Clark obras interativas, que se tornaram a marca registrada de sua produção.

"Bichos": Esculturas que Ganham Vida nas Mãos do Público

Uma das séries mais conhecidas e emblemáticas de Lygia Clark são os “Bichos”, criados a partir de 1960. Essas esculturas são compostas por placas de metal (geralmente alumínio) unidas por dobradiças, permitindo que sejam manipuladas pelo público. O nome “Bichos” sugere uma natureza orgânica e animada, e a artista os via como organismos vivos, com respostas próprias aos estímulos do espectador.

A beleza dos “Bichos” reside justamente na ausência de uma forma ideal ou estática. Cada interação gera uma nova configuração, tornando o público coautor da obra a cada toque. Lygia Clark explicava que não havia passividade na relação entre o homem e o “Bicho”; era um “corpo-a-corpo entre duas entidades vivas”, um diálogo contínuo onde a obra se transformava e se revelava. Essa série revolucionou a ideia de que a arte era apenas para contemplação passiva, introduzindo a manipulação e a participação efetiva.

Para ilustrar a interatividade dos “Bichos”, podemos considerar a seguinte tabela:

Característica Arte Tradicional (Escultura) “Bichos” de Lygia Clark
Natureza Estática, forma fixa Dinâmica, formas mutáveis
Interação Contemplação visual Manipulação tátil, física
Autoria Artista único Artista + Espectador (coautoria)
Conceito Objeto a ser observado Organismo vivo, proposição

"Caminhando": A Experiência do Infinito e da Escolha

Outra das notáveis Lygia Clark obras interativas é “Caminhando”, de 1963. Nesta proposição, o participante recebe uma tira de Möbius (uma superfície com apenas um lado e uma única fronteira) e uma tesoura. A instrução é simples: cortar a tira continuamente, sem separar as duas metades.

O ato de “Caminhando” não é apenas um corte; é uma exploração do infinito, da continuidade e da escolha. A obra se manifesta no ato de fazer, e a artista ressaltava: “O ato é o que produz o Caminhando. Nada existe antes dele e nada depois”. Essa experiência enfatiza a imanência da obra, onde o processo é tão ou mais importante que o “produto” final. Cada corte é uma decisão, e o resultado final é único para cada participante, uma verdadeira fusão entre sujeito e objeto.

"Máscaras Sensoriais" e Objetos Relacionais: Arte para o Corpo e a Mente

A busca de Lygia Clark por uma arte interativa levou-a a criar os “Objetos Relacionais” e as “Máscaras Sensoriais” a partir dos anos 1960. Nessas obras, a artista afastava-se dos objetos estéticos tradicionais para focar em experiências corporais e sensoriais que ativavam o tato, o olfato, a audição e a visão de formas inusitadas.

As “Máscaras Sensoriais”, por exemplo, eram feitas de tecido em diferentes cores e continham elementos como palha de aço, espelhos, conchas, sementes e ervas aromáticas que alteravam a percepção do participante. O objetivo era proporcionar novas sensações, desde a integração com o ambiente até um isolamento absoluto, estimulando a percepção interna e a consciência do próprio corpo. Essa fase da sua obra demonstra um aprofundamento na relação entre arte e vida, chegando a se aproximar da psicanálise e de processos terapêuticos.

"A Obra Somos Nós" e a "Baba Antropofágica": O Corpo como Território da Arte

Em 1968, Lygia Clark declarou: “Nós somos os propositores: enterramos a obra de arte como tal e chamamos você para que o pensamento viva através de sua ação”. Essa frase encapsula a essência de sua fase mais radical, onde o corpo do participante se tornava o próprio território da arte. As Lygia Clark obras interativas desta época, como “Baba Antropofágica” (1973), são exemplos claros dessa imersão total.

Na “Baba Antropofágica”, um grupo de pessoas colocava carretéis de linha na boca e, lentamente, desenrolava os fios sobre o corpo de um participante deitado no chão. Essa performance, baseada em um sonho da artista, explorava conceitos de corpo coletivo, trocas psíquicas e a dissolução de limites entre os indivíduos. A “baba” de fios criava uma rede que cobria o corpo, simbolizando a reconexão e a vivência de sensações que iam do abjeto ao íntimo. Essa obra desafiava noções tradicionais de estética, focando na experiência sensorial e relacional em sua forma mais crua e visceral.

Legado e Influência de Lygia Clark

O impacto das Lygia Clark obras interativas na história da arte é imenso e duradouro. Ela é considerada uma das figuras centrais da vanguarda mundial e sua obra continua a inspirar artistas, curadores e pesquisadores. Ao transformar o espectador em participante ativo, Lygia Clark abriu caminho para diversas formas de arte contemporânea, incluindo a arte relacional, a performance e as instalações imersivas.

Sua insistência em quebrar a barreira entre arte e vida, explorando o corpo e as sensações, permanece extremamente relevante. Museus e galerias de prestígio internacional, como o MoMA, Tate Modern, Centre Pompidou e Guggenheim, mantêm suas obras em acervos e retrospectivas, atestando a valorização crescente de sua trajetória. Lygia Clark nos ensinou que a arte não é algo para ser apenas visto, mas para ser vivido, sentido e transformado.

Perguntas Frequentes (FAQ)

Quem foi Lygia Clark?

Lygia Clark (1920-1988) foi uma pintora, escultora e “propositora” brasileira, considerada uma das mais importantes artistas da arte contemporânea e do Neoconcretismo. Ela é conhecida por suas obras interativas e sensoriais que convidam o público à participação ativa, redefinindo a relação entre a obra e o espectador.

O que são as “obras interativas” de Lygia Clark?

As obras interativas de Lygia Clark são criações artísticas que exigem a participação física e sensorial do público para se completarem. Elas não são objetos para contemplação passiva, mas sim proposições que se modificam e ganham sentido através da interação do espectador, que se torna coautor da experiência.

Quais são as obras mais famosas de Lygia Clark que são interativas?

Entre as obras interativas mais famosas de Lygia Clark estão “Bichos” (esculturas manipuláveis com dobradiças), “Caminhando” (uma fita de Möbius a ser cortada pelo público), “Máscaras Sensoriais” (objetos que alteram a percepção dos sentidos) e “Baba Antropofágica” (uma performance coletiva com fios de linha).

O que foi o Neoconcretismo e qual a relação de Lygia Clark com ele?

O Neoconcretismo foi um movimento artístico brasileiro surgido no final da década de 1950 no Rio de Janeiro, em oposição à rigidez racionalista do Concretismo. Lygia Clark foi uma das fundadoras e principais expoentes do movimento, defendendo uma arte mais subjetiva, orgânica e que integrasse o público na experiência estética.

Como Lygia Clark via o papel do espectador em suas obras?

Lygia Clark via o espectador não como um observador passivo, mas como um participante ativo e essencial para a existência da obra. Ela o chamava de “propositor” e acreditava que a obra de arte só se realizava no diálogo e na interação, tornando o público coautor e ativador da experiência artística.

As obras de Lygia Clark tinham alguma função terapêutica?

Sim, na fase final de sua carreira (a partir dos anos 1970), Lygia Clark se afastou da produção de objetos estéticos tradicionais e dedicou-se a desenvolver experiências corporais e sensoriais com fins terapêuticos. Seus “objetos relacionais” e práticas exploravam as possibilidades da arte sensorial para o autoconhecimento e a cura, aproximando seu trabalho da psicanálise.

Onde posso ver as obras de Lygia Clark hoje?

As obras de Lygia Clark estão presentes em acervos de importantes instituições de arte em todo o mundo, como o MoMA (Nova York), Tate Modern (Londres), Centre Pompidou (Paris) e Guggenheim (Nova York), além de coleções no Brasil como a Pinacoteca de São Paulo e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. É possível encontrar exposições e retrospectivas dedicadas a ela em diversas capitais.

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